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DO PÓ PARA O TRONO DA GLÓRIA

6 O Senhor é o que tira a vida e a dá; faz descer ao Seol e faz subir dali.

7 O Senhor empobrece e enriquece; abate e também exalta.

8 Levanta do pó o pobre, do monturo eleva o necessitado, para os fazer sentar entre os príncipes, para os fazer herdar um trono de glória; porque do Senhor são as colunas da terra, sobre elas pôs ele o mundo.

9 Ele guardará os pés dos seus santos, porém os ímpios ficarão mudos nas trevas, porque o homem não prevalecerá pela força.

10 Os que contendem com o Senhor serão quebrantados; desde os céus trovejará contra eles. O Senhor julgará as extremidades da terra; dará força ao seu rei, e exaltará o poder do seu ungido.

(I SAMUEL 2:6-10)







terça-feira, 1 de junho de 2010

Direito Penal do Inimigo em face do Princípio do Devido Processo Legal

Direito penal do inimigo em face do princípio do devido processo legal


INTRODUÇÃO

Esse estudo visou demonstrar a incompatibilidade entre o Direito Penal do Inimigo, também denominado de direito de terceira velocidade e o processo democrático inerente ao princípio do devido processo legal. Tratou-se de uma análise crítica a esse sistema face ao princípio do devido processo legal, na realidade político-social brasileira.

Enfatizou-se que a expressão inimigo suscita determinadas discriminações e cuidados, causando assim, enorme repulsa nas sociedades ocidentais onde prevalecem ideais de liberdade e igualdade, encontrando em tais ordenamentos diversos pontos controvertidos.

O direito penal que se conhece e estuda tem como preceito investigar a ação criminosa, de acordo com a conduta da pessoa humana. Em síntese, todo crime baseia-se num ato típico, antijurídico e culpável. Logo, o direito penal é uno na aplicação da penalidade de acordo com a prática (ação) de um fato definido como crime na legislação penal brasileira.

Com base nesses argumentos, o presente estudo visou esclarecer a inaplicabilidade do denominado "Direito Penal do Autor", no ordenamento jurídico, que tem por objetivo penalizar o indivíduo pelo que ele é, e não pela sua conduta, situação que origina dois direitos penais vigentes na legislação, ou seja, aquele que agiria de modo preventivo, destituindo todas as garantias constitucionais inerentes aos sujeitos de direitos, brasileiros, e em paralelo à este, outro direito que protege o cidadão com os princípios que norteiam o sistema penal, direcionado às pessoas que não são consideradas "inimigas do Estado democrático de Direito".

Este trabalho se justificou, em virtude da escassa bibliografia atinente ao tema, buscando enriquecer a doutrina jurídica em torno do assunto. Ademais, se limita a explanar o princípio do devido processo legal, que é atacado pelo direito, denominado de "Terceira Velocidade", pois não garante a ampla defesa, o contraditório e demais garantias que se inserem naquele princípio.

Em outro aspecto, este trabalho se justificou pela afinidade que se tem com o tema, pois abrange questões sociais do cotidiano e verificou-se que se tal sistema fosse recepcionado pelo Sistema Penal Brasileiro, ocorreriam injustiças com os menos favorecidos economicamente. E para os operadores de Direito que pretendem ver perpetuarem-se no tempo suas obras e entendimento, devem se ater às questões sociais, que se interdisciplinam com a política estatal, com princípios que norteiam o direito, assim alcançarão a meta de não cair na "letra da lei", e sim na aplicação da justiça.

O tema abordado nesse estudo é de suma importância para o estudo acadêmico, pois levará o leitor a refletir sobre o conceito do denominado "Direito penal do autor", que traz ideologia diversa ao abordado pelo direito penal brasileiro. Buscou-se alertar os estudiosos do Direito sobre as novas teorias que estão surgindo, principalmente quando estão enrustidas em teorias, outrora descartadas pelo Direito. E mais: muitos países acolhem tais teorias como se estivessem em consonância com um direito justo e imparcial.

Por tais razões buscou-se explanar e esclarecer as mais freqüentes e importantes dúvidas atinentes ao tema abordado, principalmente no tocante ao surgimento de um sistema penal paralelo com o do Brasil, que agiria de forma discriminatória, desrespeitando todos os princípios que norteiam o Direito Penal Brasileiro.

A doutrina, ora em estudo, geraria uma controvérsia com o sistema penal brasileiro, pois a pessoa (pobre) para o governo é invisível, porém quando comete um fato típico, é visto como um marginal, um excluído socialmente. E essa questão da injustiça social será claramente revelada com o desenrolar da explanação do tema "Direito penal do inimigo", pois as pessoas marginalizadas serão vitimizadas por tal sistema.

Como sustentar as premissas do Direito penal do inimigo, se há a inobservância do Princípio do devido processo legal? Como admitir um sistema que trará como conseqüência a discriminação social, privando aquele que já é excluído socialmente pela falta de recursos financeiros, de um processo garantido pela ampla defesa e contraditório, defendidos pela Magna Carta?

O sistema retroagiria aos primórdios, período da Santa Inquisição, em que julgavam em nome de Deus, não tendo o acusado direito à defesa justa? Ou melhor, espelha à atual política da Europa, propriamente em Londres, que embasado no Direito penal do autor, permitiu o assassinato de pessoa inocente ao confundi-la com terrorista, sem que ela tivesse o direito a um devido processo legal? Seria esta "Ordem, paz e progresso", que se subentende em nossa bandeira pátria? Eis a questão.





DIREITO PENAL DO INIMIGO EM FACE DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL



BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Como mencionado na Introdução a esse estudo, o Direito penal do inimigo encontra discrepância com o Estado democrático de direito. Qual o fundamento de tal afirmação?

Em primeira análise, deve-se compreender que o estudo do direito processual penal brasileiro deve estar em consonância com as regras constitucionais, que além de estabelecerem direitos a serem exercidos, também oferecem garantias para que tais direitos não sejam violados.

Na verdade o Estado democrático de direito se justifica pelo fato do processo penal estar amparado pelas garantias constitucionais, e na ausência de tais garantias, vislumbra-se a não configuração do Estado democrático.

Observe o conceito doutrinário de Estado democrático de direito formulado por Guilherme de Souza Nucci:

Cuida-se da visualização do processo penal a partir dos postulados estabelecidos pela Constituição Federal, no contexto de direitos e garantias humanas e fundamentais, adaptando o Código de Processo Penal a essa realidade, ainda que, se preciso for, deixe-se de se aplicar legislação infra-constitucional defasada.(2005, p.73).

Uma última observação acerca do Estado democrático de direito é a relação que o mesmo tem com o princípio do Devido processo legal, pois este abrange vários princípios constitucionais, e tal fato nas palavras de Guilherme de Souza Nucci "(...) Constitui o horizonte a ser perseguido pelo Processo democrático de direito, fazendo valer os direitos e garantias humanas fundamentais (...)". (2005, p. 85).

Em síntese, deve ser respeitado o Estado democrático de direito em qualquer situação, porque o mesmo integralizará a norma processual à norma constitucional, com respeito às garantias previstas em proteção à pessoa, e tal fato impedirá a atuação de qualquer sistema contrário ao Direito brasileiro.

ORIGEM ETIMOLÓGICA DA PALAVRA DEVIDO PROCESSO LEGAL

O princípio do Devido processo legal, como se observa é composto de três palavras, que juntas garantem ao cidadão um processo justo. E por que não conceituar cada uma dessas palavras?

A palavra "princípio" possui vários sentidos como a circunstância em que algo se origina; causa primária; elemento de constituição de um corpo orgânico; preceito, regra ou lei; fonte e uma causa de ação.Observe-se que no Direito, tais significados são utilizados para que os princípios jurídicos dêem sustentabilidade para as normas, servindo de parâmetros, para a maior integralização, interpretação e aplicabilidade das mesmas nos casos concretos.

O conceito da palavra "devido" se traduz com a expressão "devido por justiça", citada por Ricardo Cunha Chimenti e outros autores, na obra Curso de Direito Constitucional, vale transcrever a definição da palavra "devido", dessa obra:

(...) Significa desde logo que restrição nenhuma se fará à liberdade do indivíduo sem procedimento que a lei estabeleça para a hipótese, ou fora desse procedimento. Compreende ainda, numa dimensão de promessa de justiça superior, a necessidade de que tais regras, devendo ser justas, bastem para resguardar o cidadão contra toda forma de arbítrio, sobretudo da autoridade judiciária. (2005, p.65).

A palavra "devido", segundo a frase supracitada, exprime a idéia de que somente a lei pode estabelecer procedimentos para que a liberdade da pessoa seja restringida; a palavra "promessa", vem no sentido do Estado se obrigar à aplicação da justiça e proteger o cidadão da imposição da vontade, de modo arbitrário de outrem.

Para o Prof. André Ramos Tavares, a palavra "devido" se resume nas expressões, "previsto", "tipificado", em conformidade com a palavra "justo".

A palavra "processo" se define como sendo o meio pelo qual a jurisdição age. Jurisdição se traduz como o modo pelo qual o Estado resolve a lide, substituindo a vontade das partes, através da aplicação da norma jurídica ao caso concreto, por meio de uma sentença. O processo é movido pelo contraditório. Frise-se que mais do que o direito ao processo, a pessoa tem direito à regularidade deste.

Por derradeiro, resta esclarecer o significado da palavra "legal", como sendo a obediência ao conjunto de regras abstratas, impessoais, previstas no ordenamento jurídico, tanto na Constituição, tanto nas legislações inferiores.

SURGIMENTO DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO BRASIL

É mistér que se contextualize o princípio do devido processo legal, que nesse estudo, vem em detrimento do denominado "Direito Penal do Inimigo".

O devido processo legal, surgiu na Idade Média, através da Magna Carta de João Sem Terra, em 15 de junho de 1215. Note-se que nessa época havia uma disputa de ideais entre a nobreza e o trono, sendo que pela pressão dos senhores feudais no Governo de João Sem Terra, foi outorgada a Constituição que criou princípios que formaram a base da política inglesa.

O princípio do devido processo legal sofreu várias evoluções até a criação do denominado "Bill of Rights" inglês, em 1689. Esse conceito expressa uma conquista de liberdades individuais.

No século XVIII, predominava o regime absolutista, em que o rei governava com poderes amplos, controlava a economia, a política e até mesmo a religião. Havia a falta de democracia.

Com a Revolução Francesa, em 1789, surgiu a Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão, documento que se tornou referência para as democracias do mundo contemporâneo, tendo sido aprovado em 26 de agosto de 1789, pela Assembléia Constituinte, no cenário inicial da Revolução Francesa e tinha como objetivos beneficiar a burguesia, retirando assim, privilégios do clero e da nobreza.

A Revolução Francesa foi o marco da Idade Contemporânea, e introduziu os ideais iluministas de igualdade, liberdade e fraternidade, que são princípios universais.

Posteriormente foi inserido no Direito Americano a cláusula "Due Process Of Law". Em uma contextualização histórica, verifica-se três etapas da formação do Princípio do devido processo legal na legislação americana.

Na primeira etapa, chamada de "adjetiva", o devido processo legal tinha o sentido de "garantias ao réu"; era necessário se respeitar o procedimento, que deveria assegurar o contraditório e a ampla defesa.

Na segunda fase, denominada de "substantiva", o devido processo legal era tido como um instrumento de análise da constitucionalidade das leis estaduais e do Congresso. Sendo assim, os tribunais passaram a limitar o poder do Estado-administrador e do Estado-legislador.

A terceira etapa, também qualificada como "substantiva", é marcada pelo surgimento do Estado Social; os juízes estão vinculados a critérios de justiça material, baseados em maior intervenção estatal e pela relativização de direitos fundamentais em prol de interesse público.

O artigo XI, n. 1, da Declaração dos Direitos do Homem, citado na obra de André Ramos Tavares, prevê que :

(...) Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

(2003, p. 507).

Esse artigo bem define o Princípio do devido processo legal, a expressão "todas as garantias necessárias à sua defesa" engloba todos os princípios das legislações em benefício do acusado.

Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, o princípio do devido processo legal foi consagrado no ordenamento brasileiro, assegurando direito ao contraditório e ampla defesa, a produção de provas, ao duplo grau de jurisdição, a igualdade das partes e ao juiz natural.

O artigo 5º, inciso LIV,da Magna Carta versa sobre o princípio do devido processo legal aduz que "ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens, sem o devido processo legal".

Ressalta-se que o conceito do princípio do devido processo legal é muito amplo e serve como parâmetro para os demais princípios constitucionais. Um de seus grandes vértices são os princípios do contraditório e ampla defesa.

Hodiernamente, o princípio do devido processo legal possibilita aos juízes o controle da razoabilidade da produção de leis, através da adequação das normas aos princípios básicos de Direito.

INCOMPATIBILIDADE ENTRE A TESE TRAZIDA PELO DIREITO PENAL DO INIMIGO E O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Para que se possa entender a incompatibilidade entre o Direito penal do inimigo e o Princípio do devido processo legal, é necessário que se faça uma verificação do conceito desse último.

Em primeira análise, se observa que o Princípio do devido processo legal está previsto na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso, LIV, que assim dispõe: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

Destaque-se que o Princípio do devido processo legal tem dois objetivos principais, que se baseiam em garantir a melhor aplicação do direito material (também chamado de direito substancial) e processual, sendo que no primeiro caso, consiste na elaboração regular e correta da lei, respeitando o senso de justiça, adaptando-a aos preceitos constitucionais. O segundo objetivo do Devido processo legal, visa à melhor aplicação do direito processual judicialmente, garantindo que as partes do processo utilizem-se de todos os meios jurídicos existentes; é a manifestação do próprio contraditório.

No mesmo sentido Alexandre de Moraes ensina que:

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe a paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal). (2006, p.94).

Os objetivos do Princípio do devido processo legal são os de garantir ao indivíduo a proteção tanto na fase material (aplicação da lei), quanto na fase processual (regularidade processual).

Note-se que o Princípio do devido processo legal originou outros sub-princípios constitucionais, como os princípios do contraditório, ampla defesa, publicidade, motivação, juiz natural, impossibilidade de utilização em juízo de provas obtidas por meio ilícito e outras mais.

Por tal razão se justifica o fato de diversas vezes se proclamar o princípio do devido processo legal, em defesa dos direitos da pessoa humana, porque engloba diversas outras garantias.

O presente estudo se baseou em dois sub-princípios do Princípio do devido processo legal, a saber: o contraditório e a ampla defesa.

Os institutos do contraditório e ampla defesa muitas vezes se confundem. Alexandre de Moraes, em sua obra Direito Constitucional, assim os distingue:

Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria manifestação da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo ("par conditio"), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor (...). (2006, p. 95).

O princípio do contraditório se funda não somente do fato da negativa do ato, em relação à acusação imposta pela oposição, mas ainda na possibilidade de atuar na formulação do convencimento do juiz e como conseqüência, no resultado do processo.

As partes terão o direito de realizar todas as provas admitidas em direito e de se manifestarem sobre o produto delas. A possibilidade assegurada constitucionalmente, de produção de provas, resulta na paridade de condições entre o Estado, que impõe as leis, e a pessoa acusada, com a amplitude da defesa.

Os meios de defesa utilizados são os mais diversos, como a defesa técnica (advogado), a publicidade da decisão, a citação, os recursos constitucionais, a decisão final imodificável, a revisão criminal. Esses meios de defesa estão incluídos na via processual.

No âmbito material, tem que se respeitar o princípio da proporcionalidade da pena, na aplicação da lei, que concerne ao fato de se incidir pena mais leves nos crimesbrandos e por conseqüência, penas elevadas para crimes graves.

Como resultado das observações realizadas no presente tópico, conclui-se que o Direito penal do inimigo não segue o processo democrático do devido processo legal, mas um verdadeiro procedimento de guerra, que se justifica pela intolerância, sem limites contra o inimigo, que difere totalmente das garantias impostas pelo Estado de direito, como bem explanado pelo professor Luiz Flávio Gomes, conforme texto já mencionado, do artigo do mesmo autor:

Tratar o criminoso comum como "criminoso de guerra" é tudo o que ele necessita, de outro lado, para questionar a legitimidade do sistema (desproporcionalidade, flexibilização de garantias, processo anti-democrático etc); temos que afirmar que seu crime é uma manifestação delitiva a mais e não um ato de guerra. A lógica da guerra (da intolerância excessiva, do "vale tudo) conduz a excessos. Destrói a razoabilidade e coloca em risco o Estado Democrático. Não é boa companheira da racionalidade. (2004, p.04).

A observação acima se afere ao fato de uma conseqüência lógica do Direito penal do Inimigo, qual seja, a flexibilização das garantias constitucionais. Isso conduz a exageros, como a instituição de um processo antidemocrático, com ênfase à desproporcionalidade das penas, que fere o Princípio do devido processo legal, em sua parte substancial, como já observado.

Jakobs caracteriza o Direito penal do inimigo em três aspectos, que contradizem o Princípio do devido processo penal, eis o entendimento do referido autor:

(...) em primeiro lugar, constata-se um amplo adiantamento da punibilidade, isto é, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva (ponto de referência: o fato futuro), no lugar de- como é o habitual- retrospectiva (ponto de referência : o fato cometido). Em segundo lugar, as penas previstas são desproporcionalmente altas : especialmente, a antecipação da barreira de punição não é considerada para reduzir, correspondentemente, a pena cominada. Em terceiro lugar, determinadas garantias processuais são relativizadas ou inclusive suprimidas. (2007, p.67).

O trecho extraído da obra de Jakobs bem descreve as características do Direito penal do inimigo, e ainda revela a sua inaplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, em razão dos seguintes aspectos:

Seguindo o próprio raciocínio de Jakobs, em primeiro momento o Direito penal do inimigo seria inadmissível, porque visa a punição de fatos que cheguem a acontecer, e não o ato cometido (voltado para o passado). Em razão disso se repudia a tese de Jakobs, porque de modo algum se pode punir a pessoa antes da prática da conduta criminosa, uma vez que a Jurisdição somente atua no caso de conflito de interesses, pacificando a relação processual. Sem lide não pode existir processo, e sem processo a pessoa não pode ser penalizada.

Em segundo plano, Jakobs afirma que o Direito penal do inimigo visa penas desproporcionalmente altas; isso não quer dizer que as penas, no sistema jurídico tenham que ser necessariamente baixas, mas que devem seguir o princípio da proporcionalidade. Frise-se que o Princípio da proporcionalidade tido como um princípio constitucional não-escrito, próprio do Estado democrático deDireito; outros afirmam que é decorrente do Princípio do devido processo legal ou da isonomia.

A terceira observação de Jakobs se refere ao fato do Direito penal do inimigo permitir a relativização ou abolição das garantias constitucionais, o que importaria também na flexibilização do Princípio do devido processo legal, que engloba inúmeras garantias à pessoa que está sendo acusada de um crime.

O ordenamento jurídico brasileiro é composto de normas tendentes a preservar as garantias fundamentais da pessoa, em razão disso prevalece o Princípio da intervenção mínima, para que sejam impostos limites ao Estado na aplicação de sanções. Nesse sentido Nilo Batista expõe que:

O sistema penal é também apresentado como justo, na medida em que buscaria prevenir o delito, restringindo sua intervenção aos limites da necessidade- na expressão de von Liszt, "só a pena necessária é justa"- quando de fato seu desempenho é repressivo, seja pela frustração de suas linha preventivas, seja pela incapacidade de regular a intensidade das respostas penais, legais ou ilegais. (1996, p. 26).

O texto redigido pelo referido autortraduz a idéia de que seja repelida toda pena injusta,e que toda sanção imposta, em tese, deveria ter a finalidade de prevenir o delito; Se o controle estatal não consegue o objetivo principal (que é o de intervir nos limites da necessidade), estará agindo em desacordo com a lei, infringindo assim o sistema jurídico.

Destarte, verifica-se no contexto a total inadmissibilidade do Direito penal do inimigo no ordenamento jurídico brasileiro, em face de previsões constitucionais de princípios que norteadores do Direito brasileiro, sendo um dos principais, o Princípio do devido processo legal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As idéias desenvolvidas pela doutrina Direito Penal do Inimigo, convidam a refletir sobre atual conjuntura do sistema brasileiro penal e processual. Isso porque, embora haja muitos problemas sociais do país, a Constituição Federal propiciou várias garantias ao indivíduo, dentre elas, e não menos importante, o Devido processo legal, que garante a plenitude da defesa, ressalvadas as exceções legais. Isto significa que se houver alguma privação ou flexibilização à ampla defesa e contraditório, a própria lei é quem estabelecerá.

Em uma análise geral deste sistema ora estudado, se o Direito penal do autor tivesse aplicabilidade, não vigoraria o sistema Garantista, vigente atualmente, que abrange todos os princípios contemporâneos e básicos do Processo Penal, tais como, presunção de inocência, contraditório, ampla defesa efetiva, devido processo legal etc.

Nesse contexto, frise-se que a Lei 11.449, de 15 de janeiro de 2007, alterou o artigo 306 do Código de Processo Penal, ampliando assim o direito à ampla defesa, caso o acusado não tenha advogado constituído, no sentido de que toda prisão em flagrante, além de ser obrigatório o envio dos autos ao juiz competente, também é imprescindível o envio das peças do inquérito policial à Defensoria Pública.

Note-se que com o implemento do Direito penal do inimigo, seria estabelecido um sistema que afrontaria as regras básicas do Estado, inclusive as regras constitucionais que defendem a ampla defesa, como as infraconstitucionais, como a Lei acima mencionada, ensejando assim uma "desordem jurídica", postergando os direitos fundamentais.

O Direito penal do inimigo, também denominado como Direito de terceira velocidade, pelo fato de se caracterizar como uma velocidade híbrida, ou seja, mesclada,em palavra mais popular "misturada", com a primeira, e segunda velocidade, sendo que no primeiro caso seria a fase do encarceramento do cidadão, resguardados os princípios constitucionais. E por último, a segunda velocidade se enquadra no casos de aplicação de penas consistente em penas de privação de direitos e restrição de alguns princípios e regras protegidos pelo Direito de primeira velocidade.

É de ser relevado que conforme os ensinamentos doutrinários, com a insurgência dessa doutrina o inimigo não mereceria o tratamento de pessoa; a sociedade seria subdividida em classes de cidadãos (pessoas) e inimigos (não pessoas), sendo que na verdade estes últimos se caracterizam por pessoas privadas de certos direitos individuais.

Assinale ainda que não é a quantidade de direitos que o indivíduo é privado que anula sua condição de pessoa, mas sim o fundamento disso, que é a estigmatização ou coisificação da pessoa, ou seja, taxa-la como ente perigoso, mascarando esse fato com racionalizações ou flexibilizações.

Em se tratando de flexibilizações, cumpre salientar que o Regime Disciplinar Diferenciado, sigla RDD, sanção disciplinar imposta ao preso e prevista no artigo 52 da Lei 7.210/1984 (Lei de Execuções Penais), implica em um reflexo do Direito penal do inimigo no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que visa o encarceramento do "preso perigoso" em celas individuais dentro daprisão, limita em dois dias as visitas semanais e ainda os banhos de sol são reduzidos em duas diárias. A figura do Direito penal do inimigo se manifesta pelo fato do endurecimento da execução da pena, restringindo direitos fundamentais em face do grau de periculosidade.

É preciso insistir também no fato de que um tratamento diferente atribuído a um ser humano, fere seu caráter de pessoa; ocasiona a despersonalização de toda a sociedade, ou seja: a sociedade passa a não acreditar mais na segurança e o cuidado para não lesar a sociedade passa a ser dos cidadãos e não o contrário, como deveria ser. Tal fato se resume pelo fato da sociedade estar na posição de garantes. Em linhas gerais, esse cuidado para que não se cometa um erro futuro despersonaliza a sociedade e legitima cada vez mais o poder punitivo.

A conseqüência disso é que os políticos prometem cada vez mais penas, para promover mais segurança. À guisa do exemplo podemos citar a Lei 11.464/2007, que versa sobre a Execução Penal nos Crimes Hediondos; referida lei disciplinou que para que o condenado faça jus à progressão de regime, deverá cumprir dois quintos da pena. O que poucas pessoas têm conhecimento é que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus número 82959, julgou a inconstitucionalidade do parágrafo 1º, do artigo 2º da lei que versa sobre os Crimes Hediondos; a referida decisão possibilitou aos condenados por crimes hediondos a progressão, desde que cumpridos um sexto da pena, como dispõe o artigo 112 da Lei de Execuções Penais. Muito se têm discutido a respeito das controvérsias trazidas pela Lei 11.464/2007.

Cabe mencionar a Teoria da inconstitucionalidade das normas constitucionais, bem explicada pelo professor Zaffaroni, como uma teoria sobre as tendências que contradizem o próprio texto constitucional, ou seja, ferem os princípios da inocência, igualdade de todos perante a lei, humanidade, racionalidade das penas (impedimento da imposição de penas cruéis).

O presente estudo demonstrou que em qualquer fase do processo, seja na fase persecutória, seja na judicial ou na execução da pena, devem ser respeitados os princípios decorrentes do Devido processo legal, para que a pessoa não seja condenada de acordo comoa concepção de inimigo que a sociedade lhe impõe a partir da prática de um delito.

Na vivência da pesquisadora no estágio na Delegacia de Polícia de Ipaussu/SP, onde se inicia o processo investigatório concernente à prática do crime, pôde ser observado o respeito aos princípios constitucionais, principalmente o da presunção de inocência.

Salienta-se que na fase policial há uma reunião de provas para que elas sejam utilizadas em juízo, e embora se entenda que a fase persecutória seja inquisitiva, tais provas podem ser juntadas tanto em favor da acusação, quanto em benefício da defesa, eis aí a cabal manifestação da ampla defesa e contraditório.

A preocupação que se tem com a instauração do Devido processo legal, já na fase policial se justifica pelo fato de, no Brasil, se dar muito mais ênfaseànotíciado crime na fase policial, do que na fase judicial; Isso porque, se o acusado, não tiver esse respaldo, provavelmente será estigmatizado pela sociedade.

É de ser relevado que no Brasil, como em diversos outros países o inimigo, muitas das vezes, é a pessoa sem condições financeiras, que sequer tem dinheiro para pagar um advogado particular, e que fica à mercê das imposições estatais; Raramentese observa o inimigo na figura de um político, ou qualquer pessoa de classe social mais elevada, isso porque o sistema é falho na execução da pena. E mais ainda- O Direito brasileiro tem essência predominantemente política e não jurídica, isso porque a lei se adequa à quem a faz.

Em suma, seja qual for o direito penal do autor, jamais se pode permitir que se penalize uma pessoa pelo "que escolheu ser", pois isso viola sua esfera de autodeterminação.

Nesse ínterim, a aplicação da pena tem que ter uma finalidade, e qual seria essa? No mínimo não deveria manchar a reputação da pessoa, condena-la pelo resto da vida, marcando-a na sociedade perpetuamente.

6. FONTES

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GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo. Documento eletrônico {on line}. Disponível na Internet via WWW.URL:acesso em 28 de março de 2007.

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GOMES, Luiz Flávio. Direito penal- parte geral-introdução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

GRACIA MARTÍN, Luis. O Horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo/ Luis Gracia Martín; tradução de Luiz regis Prado e Érika Mendes de Carvalho; prefácio José Ignácio Lacasta-Zabalza- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

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