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DO PÓ PARA O TRONO DA GLÓRIA

6 O Senhor é o que tira a vida e a dá; faz descer ao Seol e faz subir dali.

7 O Senhor empobrece e enriquece; abate e também exalta.

8 Levanta do pó o pobre, do monturo eleva o necessitado, para os fazer sentar entre os príncipes, para os fazer herdar um trono de glória; porque do Senhor são as colunas da terra, sobre elas pôs ele o mundo.

9 Ele guardará os pés dos seus santos, porém os ímpios ficarão mudos nas trevas, porque o homem não prevalecerá pela força.

10 Os que contendem com o Senhor serão quebrantados; desde os céus trovejará contra eles. O Senhor julgará as extremidades da terra; dará força ao seu rei, e exaltará o poder do seu ungido.

(I SAMUEL 2:6-10)







segunda-feira, 31 de maio de 2010

O detector de mentiras funciona mesmo?



O detector de mentiras funciona mesmo?


por Mario Guerreiro

Conta-se que na China Antiga quando um juiz queria saber se um réu estava dizendo a verdade ou mentindo mandava que o levassem à presença do Imperador. Lá chegando, o médico da corte colocava a sua mão no lado esquerdo do peito do réu. Aí então o próprio imperador conduzia o interrogatório. Se o médico sentisse uma aceleração repentina das batidas cardíacas, tomava isto como um sinal de que o réu estava mentindo.

Não há dúvida de que essa prática era um protótipo do moderno detector de mentiras. O pressuposto assumido era de que a consciência do interrogado o traía por uma mudança súbita de um movimento involuntário: as batidas do coração, este metrônomo interior, que normalmente bate num compasso 2/4. Um impulso nervoso incontrolável rompia a regularidade do ritmo cardíaco e isto era tido como efeito de uma característica inquietação mental causada por um indivíduo, em sua consciência íntima, saber que o que ela estava dizendo era mentira.

Podemos considerar que o detector de mentiras - apesar de muito mais sofisticado e com menor probabilidade de erro do que o “método natural” chinês - está baseado no mesmo princípio. Pressupõem ambos que o indivíduo que diz a verdade não só não tem nada a temer como também tem sua consciência “leve”.

Em outras palavras : é um homem em paz com a sua consciência, não um atormentado constantemente pela mesma como Raskolnikov em Crime e Castigo de Dostoiewsky que – no tribunal de sua consciência íntima - ora se condenava, ora se absolvia do latrocínio que cometera; mas acabou confessando o mesmo espontaneamente, para apaziguar seu forte sentimento de culpa.


Pressupõem ambos os detectores que uma irregularidade súbita de um movimento fisiológico regular pode ser causada pelo estado de nervos e a maneira como isto se manifesta pode ser detectado por um observador e tomado como uma espécie de sintoma de algo que se passa no mais íntimo de uma consciência humana. Trata-se, portanto, de um tipo de observação indireta. Na impossibilidade de observar diretamente o que se passa dentro dessa caixa preta (black box) - o cérebro ou a consciência interior humanos - recorre-se à observação de um efeito para tentar inferir a causa do mesmo.


A diferença não está no princípio básico, mas sim na natureza dos instrumentos usados pelo detector antigo e o moderno: ambos observam batimentos cardíacos, com a diferença de que o método chinês serve-se de um ouvido humano, ao passo que o método moderno tem uma coisa que se interpõem entre os batimentos e o ouvido: uma espécie de estetoscópio.


Além disso, o moderno detector mede também o pulso, a sudação, a respiração, entre outros fenômenos fisiológicos involuntários, não podendo sofrer quaisquer alterações provenientes de uma vontade humana consciente, mas podendo ser afetados por estados mentais fora do controle dessa mesma vontade, ocorrendo até à revelia da mesma.. Por exemplo: não decidimos que, num dado momento, vamos tossir ou espirrar e quando despontam a tosse ou o espirro, dificilmente conseguimos contê-los por um comando da nossa faculdade volitiva.


Embora tudo o que foi dito sobre ambos detectores seja bastante plausível, temos algumas ressalvas a fazer, que se não chegam a invalidá-los como técnicas capazes de determinar se um indivíduo está mentindo, diminuem consideravelmente suas probabilidades de êxito.


Consideremos primeiramente o velho detector “natural” chinês. Antes de qualquer observação, não podemos deixar de levar em consideração o peculiar contexto histórico-social da China antiga. Denominado Filho do Céu, o imperador era considerado, por todos os seus súditos, como o próprio Deus encarnado num homem. Vivia em completo isolamento dos “míseros mortais” na Cidade Proibida : uma cidadela dentro da cidade de Beijing. Raramente era visto em público a uma considerável distância de seus súditos e muitos dos mesmos nasciam e morriam sem nunca ter visto essa figura quase mítica.


Daí que, para um simples homem do povo, ser levado à presença do soberano era algo comparável ser levado à presença de Deus. Imaginemos o estado de excitação que isto produzia no mesmo, uma mistura de encantamento, apreensão e grande temor, que costuma ser produzida em qualquer mortal diante do absolutamente desconhecido, do inteiramente novo e inesperado. Ora, em face desse deste quadro solene e atemorizante, imaginemos como o pobre réu se sentia quando lhe era feita uma pergunta do tipo: “Você roubou as cabras do fazendeiro Fulano de tal” ou “Você matou Beltrano?” Sendo assim, não seria mesmo de esperar que as batidas de seu coração acelerassem, fosse ele culpado ou não?!


Algo semelhante pode-se dizer do detector de mentiras: uma pessoa impressionável pode se sentir atemorizada diante de todo o aparato técnico envolvendo o teste e ter as mesmas reações de quem está mentindo, embora esteja dizendo a mais pura das verdades. E por outro lado, um psicopata mentirá sem ter a menor reação que possa ser registrada pelos instrumentos do teste. Como sabemos, um doente mental desse tipo é capaz de narrar friamente o mais bárbaro dos crimes, sem o menor sinal de remorso nem de culpa.


E deve ser justamente por isto que qualquer que seja o resultado obtido pelo detector moderno ele não é aceito como prova jurídica. A polícia nem sequer tem o direito de submeter ao teste um suspeito de ter dito uma grave mentira, do mesmo modo que não tem o direito de obrigar a um motorista a por sua boca num bafômetro, para verificar se ele está alcoolizado ou não. Apesar disso, em países de instituições raquíticas e raízes autoritárias, é muito freqüente a ocorrência dest’ último inaceitável abuso de autoridade.


A ambos os casos aplica-se o mesmo princípio jurídico: Ninguém deve ser obrigado a fazer prova ou testemunhar contra si próprio (no sentido forte de must ou ought em inglês; müssen em alemão). No que diz respeito a um detector de mentiras, um indivíduo goza do direito de recusar a se submeter ao teste, embora sua aceitação seja um indício favorável a ele, pois, de acordo com o sábio dito popular , Quem não deve não teme e, pelo mesmo motivo, sua recusa será tomada como um indício desfavorável. Mas nunca como uma prova jurídica contra ele !

[extraído de Sete Tipos de Mentira, livro inédito deste mesmo autor]

Revista Jus Vigilantibus, Segunda-feira, 26 de novembro de 2007


Sobre o autor


Mario Guerreiro

Mario Antonio de Lacerda Guerreiro é doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.

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